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quarta-feira, 29 de abril de 2009

" A Aposta na Velha Casa "

:: - Você não tem coragem de entrar naquela casa! Bruno ouviu calado aquela provocação, mas seu rosto ficou vermelho. Não gostava que o chamassem de covarde. E ainda mais na frente de toda a turma. Oito ou dez meninos da vizinhança. Tinha também a Renata, bonitinha que só, que estava lá com duas amigas. E o provocador era um sujeito muito chato, um tal de Neneco, que gostava mesmo de abusar e de se fazer de corajoso. Ele continuava: - Como é? Eu vou entrar na casa... Tu não vai, não? A casa era a mais maltratada daquela rua no bairro da Tamarineira, no Recife. Estava abandonada há anos. Onde antes era um jardim, crescia o mato. A fachada era apenas desbotada - não dava mais para saber qual tinha sido a cor da tinta que cobria a parede. Do telhado, pendia um lodo verde escuro. Quase uma ruína em meio às outras residências do lugar. Diziam que coisas estranhas ocorriam naquela casa, à noite. Barulhos estrondosos, com se móveis fossem derrubados. Também sons de pratos sendo quebrados. E ainda tinham os vultos, sombras inexplicáveis vistas através das janelas. As crianças da rua tinham medo até de passar em frente à casa de noite. Não foram poucos os que viram, e principalmente ouviram, os sinais das coisas estranhas que ocorriam lá. Os adultos tentavam negar. - Não é nada, não, menino! Casa velha tem muito rato, e rato faz “zuada”. É assim mesmo. Explicação besta pensavam as crianças! Fingiam que acreditavam, mas sabiam que a casa era mesmo mal-assombrada. E nem tinha porquê ser assim. Nada havia acontecido nada no local para justificar essa situação. Nenhuma tragédia ou crime. Também lá não devia haver botija escondida, pois a residência nunca teve morador rico. Segundo contavam os mais velhos, os últimos moradores da casa foram marido e mulher, um casal sem filhos que passou pouco tempo lá. Os dois viviam brigando por causa do ciúme do marido. Ele não admitia que a mulher trabalhasse fora, não queria nem que ela saísse muito à rua, nem que fizesse amizade com as vizinhas. A pobre, conforme diziam, vivia calada entre as quatro paredes, varrendo, lavando roupa ou fazendo comida. Era moça bonita, morena de olhos muito escuros, e talvez por isso o camarada a fazia prisioneira. Ele era militar, do Amazonas, e trouxera a esposa de lá por causa de uma transferência de quartel. O casal viveu às turras até a cheia do Rio Capibaribe que devastou o Recife em 1975. O bairro da Tamarineira foi um dos mais inundados. Avisados do perigo pela Defesa Civil, os moradores da rua saíram de suas casas antes que chegasse a água. O militar e sua mulher estavam ocupados demais brigando para dar ouvidos ao alerta. Imaginou-se que só deviam ter deixado a casa quando a rua já estava alagada. Imaginou-se porque ninguém viu eles saírem. Passaram-se dias até que a água baixasse. Os vizinhos voltaram para suas moradias e encontraram a casa dos vizinhos briguentos fechada. Os móveis destruídos permaneciam dentro dos cômodos cheios da lama fedorenta deixada pela inundação. Assim ficariam por décadas. O casal nunca. Mais voltou à casa. Poucas semanas depois da enchente a esposa oprimida mandou um cartão-postal para as vizinhas. Escreveu uma mensagem lacônica e otimista: "Agora estou bem. Voltei para Manaus. Abraços a todos. Abraços, Ivonete". Por que ela e marido militar teriam voltado tão rápido à terra natal? Por que nunca vieram pegar o que sobrou dos móveis na casa? Questão que continuaria sem resposta. Seguiram-se os dias, os meses e os anos - e casa lá, se transformando lentamente em ruínas. Soube-se depois que o imóvel pertencia "no papel" ao casal de amazonenses. Eles não demonstravam nenhum interesse em vendê-lo ou alugá-lo. Ficaria da mesma forma, esquecido, até que a prefeitura tomasse posse do terreno por falta de pagamento dos impostos. E nesse processo de decadência gradual, parecia que os fantasmas se apossaram da casa e dela fizeram morada. E, naquela noite, a casa seria invadida por Bruno e Neneco. Uma aposta de coragem. Não só pular o muro. Era preciso entrar mesmo na casa e trazer de lá alguma coisa para provar .E o combinado era não levar lanternas ou velas, apenas enfrentar a escuridão. Neneco foi primeiro: escalou rápido pelas grades do portão e caiu em pé no meio matagal do antigo jardim. Com um sorriso no rosto, foi até a porta principal que se abriu ao primeiro toque. - Como é? Não vem, cabra frouxo? Bruno pulou o portão quase tropeçando e caiu de joelho do lado de dentro. Levantou-se rápido, correu até porta e deu um encontrão em Neneco. - Sai da frente, Babaca! Eu entro primeiro! Bruno seguiu pela sala escura e fedorenta. O cheiro forte de mofo entrou no seu nariz. Seus olhos tentavam se acostumar a quase total falta de luz, mas era difícil. Ele só ouvia a respiração meio ofegante de Neneco, que vinha logo atrás. Decidiu tatear para encontrar um quarto onde pusesse a mão em algum objeto para servir de prova da façanha. Ficaria em silêncio para Neneco não segui-lo. Tocou as paredes úmidas até achar um portal. Era um outro cômodo onde parecia haver vários móveis. Um deles era uma mesa de cabeceira. Bruno apalpou a madeira podre e percebeu uma gaveta. O menino remexeu na gaveta e sentiu o que parecia ser um relógio. Era aquele o seu troféu. Poderia sair logo daquele lugar sinistro. Quando apertou o relógio de metal em sua mão, sentiu um arrepio. O ar do quarto escuro ficou gelado de repente. Bruno sentiu que havia mais alguém no ambiente. - Neneco, filho da... Parou a frase no meio quando se virou e percebeu que estava sozinho no quarto. Mas os calafrios continuavam. Tentou sair de mansinho e, ao dar o primeiro passo, ouviu um estrondo, como se alguma coisa muito pesada caísse no chão bem atrás dele. Bruno correu na escuridão sem saber para onde ir. Onde estava a porta da sala? A casa virou um imenso corredor de breu. Atarantado, começou a chorar quando ouviu um grito desesperado. Era Neneco!Bruno correu em direção ao grito e meteu a cabeça numa escada, dessas que se usa para trocar lâmpada. O berreiro vinha de cima, do forro do que deveria ser a cozinha. - Me tira daqui, to preso! Me tira daqui... Bruno subiu a escada e achou Neneco entalado numa portinha que havia no forro de madeira. Ele estava tentando ficar entre o forro e o telhado da casa para fazer barulho e apavorar o rival. Acabou preso. Por um segundo, Bruno até achou graça na situação. Mas logo foi tomado pelos arrepios e entendeu que precisava fazer alguma coisa para tirar aquele burro da dali. Já no alto da escada, agarrou as pernas de Neneco que se debatia em pânico. - Fica quieto senão não te ajudo, abestalhado! Neneco só chorava e balançava as pernas. Quando Bruno tentou agarrá-las para puxar, a escada caiu. Bruno ficou pendurado, se segurando em Neneco, e o forro velho não agüentou. Os dois foram para o assoalho e, por cima deles, veio a madeira carcomida. Bruno ficou tonto por um instante depois da queda, mas viu logo que não tinha se machucado. Ao seu lado Neneco chorava feito um bebê, pois tinha um corte enorme no braço esquerdo. Bruno viu bem o sangue escorrer porque, com o buraco no forro, a luz do poste da rua rasgou o escuro da casa. Bruno viu mais uma coisa no chão. Um crânio humano entre ele e Neneco. Ficou ainda mais horrorizado quando percebeu outros ossos humanos espalhados no chão. Bruno pegou Neneco pela mão e os dois saíram correndo e berrando. O tumulto foi grande na rua, naquela noite. As crianças chamaram os adultos e os adultos chamaram a polícia, por causa do esqueleto encontrado pelos meninos. Os policiais, por sua vez, chamaram os peritos criminais para recolher e examinar os ossos. Os técnicos descobriram uma farda do Exército junto à ossada. O sujeito provavelmente teria morrido no forro a muito anos. Seria o marido ciumento de Ivonete? Provavelmente. E a mulher seria tão fria assim a ponto de deixar o marido sozinho para enfrentar a enchente do Rio Capibaribe? Quem sabe? O fato é que, naquela noite, Bruno recebeu muitos olhares de Renata - bonitinha que só. Bruno virou herói por salvar Neneco, que foi levado para hospital e precisou levar alguns pontos. Bruno ainda guarda o relógio que achou na gaveta da casa com um troféu daquele momento medonho do qual ele conseguiu escapar. É um relógio masculino, de ouro, onde está gravado "Da sua esposa Ivonete". E a casa? Permanece abandonada, em ruínas. E assombrada.

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